domingo, 27 de maio de 2012

Nova vida


Olá, pequeno. Seja bem-vindo! Desculpe por todo esse barulho, sei que estava bem mais calmo ali dentro.  Você estava bem quentinho e confortável há tanto tempo e de repente lhe tiraram do casulo. Então pode gritar à vontade agora, ninguém vai te julgar – essa parte só começa daqui a uns anos mesmo. Não, não precisa abrir os olhos tão rápido. Aproveita a tranquilidade dessa vida sem palavras nem dentes, que tem bastante coisa por vir.


Veja bem, vai ter que ser compreensivo, pois por enquanto você é basicamente um troféu-almofada: todo mundo quer te ver e te apertar. E seus pais vão adorar ser o campeões da vez. Pega leve com eles: os babões são a base de tudo que você é e não medem esforços para lhe ver feliz, limpinho e, preferivelmente, dormindo das 22h às 7h. Dá uma força aí, né.

Quando aprender a falar, por favor, não se esqueça de utilizar as palavrinhas mágicas. Nem mesmo com os mais próximos, pois intimidade não anula a necessidade de gentilezas – mesmo que a maioria das pessoas tenha dificuldade de recordar-se disso. Você vai ouvir alguns termos chulos, mas a dica é ficar bem longe desses. Há muitas maneiras de se expressar sem fazer uso da vulgaridade.

Por falar nisso, não será preciso nem uma década para que você se depare com gente que faz coisas que seus instintos reprovam. Não importa aonde for, vai encontrar tipos que tentarão convencer-lhe de que tudo o que você conhece como correto até hoje é bobagem. Preste atenção: é sempre melhor acreditar nos valores que seus pais plantaram em você. Eles sim querem o seu bem. Jamais duvide disso, mesmo em situações drásticas, extremamente difíceis de enfrentar. A adolescência, por exemplo.

A fase da acne e das infinitas dúvidas pode ser bem penosa. Inclusive para a sua família, coitada. São anos de turbilhões de emoção, insegurança e busca por algo que não saberá exatamente o que é. Até que, se tudo der certo, finalmente encontra: você mesmo, surpresa! Mas não se preocupe, vai ter muita diversão e risadas nesse meio tempo. Não o desperdice; faça um esforço para aliar diversão e estudos. A informação é o biotônico da adolescência. Deixa você forte o suficiente para sobreviver a ela. Com sorte, vai também adquirir os melhores anticorpos: a opinião e a mente aberta.

É difícil definir quando alguém enfim torna-se adulto. Todo mundo segue o protocolo: acorda cedo, trabalha, se estressa, decide um monte de coisas, vai ao dentista sozinho e não ganha pirulito no final da consulta. Porém, não se deixe iludir. Estão todos no mesmo barco, usando roupa de gente grande e disfarçando a avalanche de dúvidas que assola a mente. A turma toda quer saber quando por fim consegue-se ser bem resolvido. Sim, somos todos uns tolos.

A verdade é que passamos a vida esculpindo a própria personalidade, enquanto o mundo tenta nos moldar. Você tem total liberdade para ser exatamente o que as pessoas esperam que seja. É preciso muita energia para criar o próprio espaço e manter a forma que se escolhe ter, sem invadir o gramado do vizinho. Não existe um critério exato para seguir, mas há alguns caminhos favoráveis.

Explore a arte. Ela mantém viva a sensibilidade que a dureza do mundo tenta sufocar. Leia bons livros, considerando que bom é aquilo que te dá prazer e preferencialmente te acrescenta algo, como um sorriso no rosto. O mesmo vale para filmes e teatro. Escute muita música, cante com força, dance à vontade. Tenha algo em que se segurar quando faltar equilíbrio. Pode ser um deus, uma oração, um mantra, uma respiração feita cuidadosamente, um hobby – o que for, mas tente encontrá-lo dentro de você. Dê valor às pessoas, coloque o amor por elas em primeiro lugar. O resto é consequência de boas atitudes. Quando errar, e vai fazê-lo, tente consertar. E vê se não desiste de participar dessa bagunça tão cedo. Posso garantir que tem muita gente do bem e coisas legais para se fazer por aqui, seja lá quem você for. 

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Sempre válido



Detesto me justificar. No geral porque sou bem confiante quanto às minhas boas intenções. Também porque acredito que quem me conhece não cai no julgamento imediato e superficial, e quem o faz torna-se desmerecedor de atenção e explicações minhas. E não é verdade?

Santa inocência.

Tudo bem, botar fé nas pessoas é muito bom, mas pensar que ninguém em sã consciência vai interpretar nossas atitudes de forma equivocada já é muita ingenuidade. Além disso, ninguém é santo. Ou perfeito. Ou coerente em tempo integral. Impossível não levar em conta a imprevisibilidade humana, até porque a gente mesmo se surpreende com reações inesperadas. Somos vítimas de circunstâncias (bate aí, Lulu). Erramos. Mesmo as pessoas boas podem despertar o pior nos mais bem intencionados. E a turminha de caráter duvidoso, nem se fala.

Mesmo se acreditar que as pessoas agem segundo os mais nobres propósitos, ainda assim com frequência a gente aceitaria uma justificativa voluntária.  A vez em que alguém foi indelicado, a ligação que não foi retornada, um momento de comportamento infantil: tudo isso pesa e faz a gente repensar a imagem que tem do outro. Um pedido de desculpas cairia bem. E mesmo em casos em que coisas banais justificam - estava com pressa na hora, esqueceu-se de ligar, estava num dia estranho -, não acho que alguém dispensaria um esclarecimento. Exatamente por isso é necessário, sim, deixar satisfações por aí.

As pessoas estão seguindo uma ideia tendenciosa de que o melhor é ser indiferente. Como se ninguém se importasse com nada e, mais absurdo ainda, como se não sentisse. Realmente, muitos valores mudam a cada nova geração, e tudo funciona de uma forma mais prática. Mas humanos não deixamos de ser. Meus órgãos não são sintéticos, e os seus?

Logicamente não faz sentido sair se explicando para todo mundo; tem gente que definitivamente não merece a atenção. Porém, tendo um pouquinho de consideração por alguém – ou então sabendo-se que é o objeto de afeto -, é sempre válido demonstrar que o que o outro sente tem relevância. É bacana deixar de lado o orgulho e dizer que sente muito. Ou um simples ‘porque’ – junto e sem circunflexo, a boa e velha conjunção explicativa. Não custa dar um descanso para o acaso, que faz o possível para corrigir as nossas faltas.

E que tal (veja bem a minha ousadia) abrir a boca para dizer algo apenas gentil? Foi bom reencontrar aquela pessoa, o colega teve uma ideia ótima no trabalho, a amiga está linda hoje? Pois é, eles podem já saber, mas não lhes faria mal ouvir. Ninguém dispensa um carinho ou mesmo uma massagem no ego. O silêncio é necessário e tem uma força absurda, mas contando com isso a gente tem deixado de falar até mesmo o fundamental. 


sexta-feira, 11 de maio de 2012

Apreço


Não costumo ser fã. Admiro, aprecio, contemplo e até exalto o trabalho de muita gente, mas é isso que sou, uma admiradora. O lugar de fã, dessas de carteirinha, que penduram pôsteres, beijam fotos, choram, gritam, vivem e morrem pelo ídolo, é um espaço que não ocupo. Claro, a febre Sandy & Junior dos anos 90 me contradiz, assim como fotos minhas usando faixas com o nome da dupla na cabeça, mas deixemos para trás essa parte do dig-dig-joy, amigos.

Cumprindo a máxima de que toda regra tem uma exceção, vou confessar que tenho um ídolo. Ou melhor, uma ídola. Não precisa me conhecer há muito tempo para saber que eu sou fã dessa mulher, papel este que me dá muita satisfação. Basicamente porque ela é incrível, merecedora de tal apreço. 

O talento dela é de se espantar, parece ter nascido com todos os dons do mundo. Comove com o que escreve fazendo uso da subestimada simplicidade, ainda que este não seja seu ofício - o faz apenas em ocasiões especiais. Fazendo jus à minha carteirinha de fã, guardo todas as publicações em um baú de tesouros, como se tudo tivesse sido escrito só para mim. E foi.

É criativa como ninguém! Quase tudo no ambiente em que vive foi feito por ela mesma, saiu tudo da cachola sempre ativa, concretizado pelas mãos abençoadas. Está aí uma coisa que todo mundo reconhece e se encanta – não estou sozinha no clube de admiradores.

Por falar nisso, a doçura e a generosidade da criatura transcendem quaisquer dificuldades, tornando-a indiscutivelmente amável. Saibam que ela é tudo dentro de si, mas se doa para quem ama sem pensar duas vezes. Parece conseguir se multiplicar, pois vence mais desafios por dia do que dez de nós, meros mortais. Não estou falando da Mulher Maravilha, mas bem que poderia. 

Fico feliz da vida quando me dizem que me pareço com ela, já que, como se não bastasse, a mulher é linda. E um arraso na cozinha, quase inacreditável. Até cultiva os próprios temperos, da mesma forma que cultiva uma fé inabalável e valores louváveis.

Nem todo o fã pensa exatamente igual ao ídolo, e nesse caso não é diferente. Temos muitas ideias em comum, algumas outras divergentes. Normal, já que somos de gerações distintas e ela tem idade para ser o que realmente é. Minha mãe.


domingo, 6 de maio de 2012

Quero não


Eu costumo falar do quanto é importante ter disposição para conseguir conciliar as tarefas do dia a dia com as atividades que temos vontade de fazer. Realmente, sem esforço fica difícil realizar mais do que supõe a função descrita no crachá da empresa. Só que as pessoas têm defeitos e fraquezas, todo mundo tem dias e fases chatas de desestímulo – desconheço alguém que esteja livre da situação, por mais inspirado que seja.

Às vezes a sensação acorda com você, ou então fica esperando com um sorriso sarcástico ao lado do inconveniente despertador. A gente começa o dia torto, cai na trela do mau humor, e ai de quem passar na frente. Nesse dia, quaisquer banalidades tornam-se desafios inoportunos, porque a criatura aqui não está nem um pouco afim de vencê-los. É um dia sem vontade. Entenda, mundo.

Perceba que hoje eu não vou ficar ouvindo os problemas de ninguém. Vou desligar o celular, me enterrar no sofá e assistir aos filmes que deixei de ver no cinema. Vou ficar sem fazer nada, a louça vai ficar suja ali em cima da pia. É uma gripe voluntária, avise o patrão.

Hoje não vou comer só salada. Quero um prato de massa, um pote de sorvete, uma barra de chocolate. E não vou para a academia depois. Farei um estoque calórico.

Se me der vontade, vou virar a noite olhando fotos, escutando os discos que estavam empoeirados na prateleira, experimentando todas as roupas do armário. Ou chorando loucamente. Vou jogar videogame, passar trote, desenhar bigode em alguém que esteja dormindo. E se rolar uma chuva, pode me procurar na rua pulando em poças. Ou dormindo feito um filhote de urso. Vai saber.

Não quero saber o que deveria estar fazendo. Não me entendam errado; jamais sairia por aí chutando cachorrinhos ou dando informação errada para fazer alguém se perder. Simplesmente, sem o ímpeto de ser responsável, coerente ou agradável, mesmo que só por hoje, não o serei. Inclusive, eu poderia estar escrevendo algo melhor agora. Lamento, quero não.

Cada um tem seu motivo para entrar nessa vibração destoada, ou até razão nenhuma em específico. Não é necessário dar mil explicações para o vizinho que ouve você choramingando All by Myself a todo volume, mas, apesar de às vezes cansativo, cai bem avisar os amigos e a família – vai que o povo resolve fazer uma intervenção achando que a coisa toda tem a ver com drogas, sei lá. Melhor mesmo é não ofender ninguém com o próprio desânimo.

A explicação mais importante a gente dá para si. A companhia da qual não se pode desvencilhar é um porteiro que efetivamente necessita de satisfações; não dá para evitar confidenciar com ele o que está acontecendo aí dentro. Todo mundo precisa de um dia para si, sendo inútil ou se divertindo, mas vá lá. Não vai se deixar levar. Melhor tentar descobrir o que está fora do lugar para poder voltar ao normal. Porque sorvete é indiscutivelmente divino, mas ver poesia no trivial também não é nada mau.





Imagem: Gettyimages