domingo, 24 de junho de 2012

Plugados



De vez em quando, o plugue dos meus fones de ouvido escapa da entrada do aparelho de mp3, ativando o autofalante com um volume considerável.  É meio constrangedor, até porque costuma acontecer em lugares públicos, como numa sala de espera ou no ônibus, inesperadamente quebrando o silêncio – e, é claro, fico feito uma desesperada apertando todos os botões tentando pausar as músicas.

O engraçado é que cada vez isso ocorre imagino como seria caso tivesse um conector desses em minha mente, e que, de repente, escapasse. Se sem querer ativasse autofalantes da minha cabeça, rompendo a até então impenetrável privacidade dos meus pensamentos. Sinceramente, apenas considerar o estrago já me deixa desconfortável.

Na crônica Se eu fosse eu, publicada no livro A Descoberta do Mundo, Clarice Lispector falava de algo parecido. Divagava sobre o que aconteceria caso as pessoas se despissem da imagem de si e encarassem o desafio de ser o que realmente são por dentro. É algo a se considerar: viver em sociedade faz com que ninguém seja exatamente o que gostaria de ser. Isso não significa infelicidade, porém lembra que não apenas nossas ações são limitadas, como também o próprio jeito de ser. Sendo quem somos, nos desprenderíamos das regras com as quais não concordamos, mas que o senso social nos obriga a cumprir.

Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho, por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia.”, confessa Clarice. Honestamente, eu também. Na verdade, acredito que já estamos todos presos, apenas em uma cadeia diferente. Somos induzidos a acreditar que temos opções, e que as supostas escolhas são sinônimo de felicidade. E aceitamos, satisfeitos. O que é certo ou errado já foi decidido antes que chegássemos: está tudo escrito, é só ler o manual. Podemos seguir a conduta do bom samaritano e descansar no final do dia, felizes por haver regras que facilitam a nossa vida. Abster nosso questionamento é só um detalhe; são as letras miúdas cuja leitura é dispensável.

Se eu fosse eu, seria uma total desbocada. Gritaria na cara do mundo o quanto é patética a submissão das pessoas à imagem. Que o fato de as aparências dominarem o julgamento torna as mentes pequenas, senão desprezíveis. Que a necessidade de parecer, mesmo sem realmente ser, resulta em indivíduos cada vez menos interessantes. Que o medo de ser vulnerável é mais um indício da crescente hipocrisia humana. Que a falta de sensibilidade não torna ninguém mais forte, apenas cego, e esse é um dos maiores motivos para estar todo mundo desorientado no meio dessa balbúrdia. Que quase ninguém cultiva afetos, apenas contatos, e por causa dessa estupidez está sobrando solidão por aí. Que autopreservação e egoísmo são conceitos totalmente distintos, mas parece que ninguém sabe diferenciar. Que está faltando realismo nessa realidade acéfala.

Entretanto, pacata que sou, nem mesmo sussurro essas palavras, mantenho meus pensamentos muito bem plugados ao ambiente seguro da mente. Sigo sendo o eu que posso ser, esforçando-me para não imergir totalmente na inércia de ser apenas mais um boçal. Tento.

Imagem: gettyimages