Notei. Foi quando já
fazia horas que estava batendo nas teclas do computador sem intervalo, os olhos
cansados, aquele zumbido tradicional depois de certo tempo. Antes
pensava ser a tela, aquela luz incansável atingindo as córneas, mas depois de descobrir
em mim um déficit de atenção digital, percebi que caí, sim, no tão famoso excesso
de informação. Hum, ok, clichê. Aba atrás de aba, quero ver isso, vou ler
esse artigo daqui a pouco, essa foto é nova, esse aqui ficou solteiro, essa
aqui se formou, não achei superinteressante, depois
eu assino, esse colunista só pode ser comprado, o anexo é muito pesado, cinco segundos para pular o anúncio. Nem mesmo sei a quantidade de vezes que mudei de janela antes de
terminar esse parágrafo.
O sintoma: desatenção. Hoje passei o dia inteiro sem ouvir música. Posso ter escutado um hit
qualquer vindo da rua, durante o trajeto de sempre ou em algum vídeo aleatório que eu comecei
a ver mas desisti em menos de um minuto. Entretanto, os discos favoritos e os que
aguardam na fila desde o lançamento não chegaram nem perto dos meus tímpanos. Música,
de uma forma geral, está no topo da minha lista de interesses e, no final do
dia, me dei conta de que a esqueci lá
longe, com os demais planos que ficaram dormindo quando saí de casa logo cedo. Não
reservei sequer um momento para me conceder esse afago sonoro, esse carinho na
alma, esse prazer tão simples para qual basta ter ouvidos. Preenchi o dia com
inúmeras atividades, mas deixei uma lacuna no campo da atenção a mim mesma.
Assusta saber que mesmo estando consciente do estrago, não passo nem
perto da exceção à regra: sou mais uma das vítimas. É fácil achar errado colocar obrigações
do ofício na frente dos interesses pessoais, falar confiante que não se deve
sacrificar a saúde (física e mental) em nome de interesses financeiros, sociais
ou profissionais. A qualidade de vida em
primeiro lugar. Aham, tá bom. A gente se acha muito lúcido e esclarecido até olhar em
volta e só enxergar quatro paredes, e aí perceber que encara mais o relógio do que
o espelho.
Sem
querer, a gente cria retratos de um desleixo consigo, provas de uma pobreza na dedicação
ao próprio gozo. Mas tudo bem, é sem querer, lembra? Um vinil em silêncio, uma
bicicleta às moscas, receitas guardadas, macarrão instantâneo, um violão
empoeirado, um guia de viagem esquecido, um livro servindo apenas de peso. Hoje
não deu tempo, amanhã sem falta, essa semana fica complicado, vou retomar
durante as férias, é difícil voltar à ativa, há alguns anos eu levava jeito. Bom
te ver, vamos marcar alguma coisa? Ai que saudade, mas tenho que ir, tá no meu
horário.