segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Bienvenida



Ouve-se o som do zíper da mala uma última vez. Caso tenha esquecido de algo, paciência. Verifica o horário e a data das passagens pela milésima vez. Vai que o voo era ontem, é bom ter certeza. Uma última visita aos cômodos da casa para que os olhos fotografem. Discretamente, cheira os travesseiros porque antecipadamente sente falta da essência de cada um. E pronto, chegou a hora.


Abraços, beijos, apertos, sorrisos – e, tudo bem, escapam algumas lágrimas. Dá-se o primeiro passo em direção à sala de embarque sem ter sequer uma ideia do que está por vir. Se a aeronave não levasse ao céu, a euforia se encarregaria da função. Acorde os sonhos e aperte os cintos. É a hora da decolagem.


Chegando à terra firme, os passos são ligeiros, os olhos encantados e as pernas não tão rápidas quanto a vontade atravessar o mapa. Bem-vinda, é aqui que você vai morar. Aqui, onde todas as ruas são novas, não se fala a sua língua, come-se diferente e dorme-se depois do almoço até o final da tarde. Ninguém sabe o seu nome, de onde veio, nem a origem daquela cicatriz no joelho. Coloque os óculos imediatamente; caso contrário, não conseguirá enxergar a linha que separa a liberdade completa oferecida pelo desconhecido e as limitações impostas por costumes distintos enraizados em uma terra e em um povo.


Passam-se alguns dias e o clique começa a se manifestar. “Então é isso”, pensa. É isso que acontece e faz com que as pessoas digam que estão se descobrindo mundo a fora. Sempre lhe pareceu que descobrir-se era uma questão de tentativa, atenção e dedicação e que não faltavam oportunidades para ninguém, apenas esforço. Mas resolveu olhar em volta e perceber-se, pela primeira vez, sozinha. E é nesse estado que revelam-se detalhes nunca antes notados.


Surge a noção de que não tem ninguém esperando em casa, nem ônibus ou trem que leve até o que sempre chamou de lar. Agora só pelos ares, sobrevoando o oceano horas a fio. Descobre que é incondicionalmente apaixonada pelas mãozinhas da mãe, pelo jeito do pai de subir as escadas correndo, pela bagunça que o irmão faz na pia do banheiro. Descobre que mesmo sempre tendo reconhecido a dedicação que recebeu, ainda não havia aprendido a amar de verdade cada gesto. Descobre que ficar com saudade das pessoas que não vê durante a correria do cotidiano é um toque carinhoso, se comparado ao golpe nada piedoso da distância, da falta indescritível que faz um cheiro, um abraço, um calor. Descobre o que é realmente fazer por si e não ter outra opção. Descobre que viajar não seria tão absurdamente incrível se não houvesse para onde voltar.


Descobre que já iniciou a caça a um tesouro insubstituível e intransferível. Melhor se preparar, isso é só o começo.