segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Feliz por tudo



Há alguns meses mergulhei na última compilação de crônicas da Martha Medeiros, Feliz Por Nada. No texto que intitula o livro, ela fala sobre o quanto a felicidade costuma ser conduzida por eventos específicos: trocar de emprego, ser promovido, ganhar uma bolsa de estudos, receber um aumento no salário, viajar - em resumo, conquistar algo. A ideia que a autora levanta nessa crônica investe no desapego: Martha afirma que a melhor felicidade é aquela que não vem envolta em um pacote de presente, um envelope ou um contrato. Bom mesmo é ser feliz por motivo nenhum, apenas por ser. Gente, não é lindo isso?

O problema é que, pelo menos no meu mundo, isso só considera um dos lados da moeda. Levando em conta que a vida é cíclica, não raro chega o momento em que a gente tem tudo, o emprego, a família,  a casa, os amigos e, mesmo assim, não se sente satisfeito. Mesmo gente normal, que faz o que pode pra ser justa e coerente, nem sempre pode fugir de sentimentos ruins ou de injustiças do cotidiano. Há vezes em que ter o carro do ano, uma casa novinha na praia e uma saúde impecável não significa que o estado de espírito esteja assim, uma Brastemp. É, povo, estou falando de ser infeliz por nada. Pode, viu?

Não é mistério nenhum que felicidade não vem apenas de fora para dentro, mas elementos externos são, sim, fundamentais para chegar mais perto do tal contentamento. O problema é que a ideologia em evidência alega que basta consumir os produtos certos para chegar até o bendito pote de ouro no final do arco-íris, sem ressaltar que cultura também é um produto, e que tem muito mais do que novela mostrando gente rica, bonita e feliz para ser visto e consumido - sem querer tirar o mérito da Carminha. Enquanto a massa se padroniza e tem o senso crítico inibido, ninguém parece perceber que, em geral, estamos fazendo compras no corredor errado.

Podem me chamar de inocente, mas sou do time que acredita que um almoço em família, uma volta no parque com boas companhias e uma festa bem animada no final de semana são impecavelmente efetivos em se tratar de satisfação do consumidor. Tudo isso sem a bolsa de grife, a camisa com o crocodilo e o carro com câmbio automático, que deveriam mesmo ser agrados secundários. Eu sei, vão mandar me internar num hospício, mas também acho que se sentir infeliz de vez em quando faz parte dessa condição incontestável que é sermos humanos. 

Melhor do que comprar seja-lá-o-que-for de grife, aparelhos de ginástica ou um home theater, é sintonizar na rádio bem na hora em que está tocando a sua música favorita, rir sozinho no ônibus lembrando de alguma besteira, e encerrar o dia com um beijo apaixonado. Felicidade genuína, com motivos, e que coloca em segundo plano o desejo por um novo par de sapatos - que também não é nada mal. Desculpa aí, Marthinha, mas na minha bandeira está escrito que bom mesmo é ser feliz por tudo. E sem culpa.

3 comentários:

  1. O Problema é tratar tudo como produto, hoje até o medo se tornou mercadoria, e definitivamente cultura não é mercadoria, não se deve vender e sim compartilhar. Realmente não é preciso ter todos essas coisas para ser feliz (Carro, Roupas de grife e etc), mas já está bem estabelecido em nossa sociedade essa noção que só se é feliz tendo todos esses materiais, que não passam de futilidades, seja feliz com você, valorize o que tem, não seja um consumidor, torne-se um cidadão consciente, porque este consumismo de hoje, não se dê valor a nada atualmente, tudo perde o valor ao se passar 2 ou 3 meses, pois já tem uma modelo novo para substituir e não se deve ser assim, nada é descartável, tudo vira lixo e a fonte não é infinita como nos fazem pensar.

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  2. Pode ser assim mesmo. Essa felicidade simples que você expôs como a tua felicidade existe sim e é bem boa. Porém, a roupa com crocodilo, o par de sapato de sola vermelha, o carro do ano também trazem felicidade! Depende de quem está a fim de ser feliz. ;)

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  3. Não li os textos da tal Martha... os poucos que li, outrora, julguei muito ruins. Sempre me dão esta impressão de visão limitada. E, se captei corretamente, é isto que acontece, mais uma vez, no que ela escreveu sobre este "ficar feliz".
    Particularmente, nunca desejo nada destas coisas que as pessoas "normais" desejam... gosto da minha Elba velha que me permite carregar tudo o que preciso, quando preciso (e só a tenho porque preciso carregar crianças, senão não teria carro), detesto coisas de griffe (e pagar pra fazer propaganda pra quem já tem dinheiro), em hipótese alguma julgo o caráter de alguém pelos bens materiais que possui, exceto pelo estilo. E quanto mais evidentemente caros sejam seus objetos, tanto mais duvido de seu caráter, pois quem precisa evidenciar "valores" materiais externos é porque não acredita em seus próprios valores internos. E pessoas, pra mim, são feitas do que está "dentro" e de suas ações externas.

    Concordo que somos variáveis e concordo com os ciclos.... há infinitas teorias para explicar esta variabilidade de humor humano (e até dos animais e vegetais)... independente de qual usarmos, sim, sentimo-nos felizes ou nem tanto, nas situações mais inadequadas imagináveis!

    Mas, com toda certeza, pra mim, "consumir" não é felicidade. E tu saltarás, lembrando que "tudo é consumir" se eu for almoçar com a família, se eu for ao teatro, etc. etc.... mas, aí é que está o DETALHE! Não é a comida q comprei pro almoço, mas QUEM está comigo almoçando.... Não é o comprar o ingresso, mas sim, a emoção que espetáculo me tráz e, principalmente, QUEM está comigo. Eu não tenho a menor vontade de pagar por qualquer coisa.... queria um mundo ideal onde as pessoas trabalhassem, apenas para a "máquina social" funcionar, sem salários... e tudo consumível fosse livre e de graça.

    As pessoas que se regozijam com o consumo, geralmente, o fazem pelo uso do capital, pela sensação de "poder" que isso dá. Nem que seja o simples "eu posso". Isso se dá, à medida que alguém "não pode". E isso cria a diferença. Então esta pessoa não está feliz por ter acesso a algo, mas pq tem um acesso "especial" que outro não tem. Esta pessoa não pode ser feliz. Se for, ela é uma pessoa malévola. Mesmo que incosciente, é inconscientemente, malévola.... vê vantagem em ter "vantagem". =/

    Eu sinto tristeza, quando "posso" sobre os que não podem. Claro, tive que me acostumar com o mundo.... hoje, em dia, consigo comprar coisas que custam caro, sem sentir culpa. Mas quando faço isto, faço por alguma qualidade que a coisa tem, por exemplo, comprar determinada câmera fotográfica porque tem zilhões de recursos e que "por acaso" é cara {ainda assim, comprei uma usada e paguei a metade do preço}.

    Mas sobre a felicidade, mais uma vez, realmente, se pode ser feliz por tudo!!! Gostei do teu título.
    Respirar é uma das coisas que mais me deixa feliz!
    Olhar as crianças criançando..... os animais animalando, as coisas coisando... um motor que funciona perfeitamente, uma bicicleta que te leva ao longe...
    O sorriso de alguém que gostamos..... felicidade não é um estado constante. Felicidade é uma percepção momentânea e infinitamente profunda! Há épocas em que temos esta percepção inúmeras vezes e bem seguidamente... são os períodos de felicidade. Mas cada percepção instantânea, destas, é SEMPRE carente de razão! É pura manifestação sensorial!

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